Sentir dor.

Quando o assunto é dor acredito que nós mulheres sentimos muito mais, afinal, temos cólicas menstruais terríveis e parimos filhos, nada que os homens possam sentir.
Indo para o centro cirúrgico na última sexta-feira, mentalizando a Oração da Serenidade e sentindo-me protegida, afinal de contas, dezenas oravam por mim e esta energia do bem sempre nos alcança.
Passam-se 20 minutos, já estou sob as luzes da mesa aonde serei operada e as enfermeiras encontram dificuldades para achar uma veia boa, já que meu braço direito não pode ser picado devido ao esvaziamento axilar. Então o anestesista surge, se apresenta e começa a mostrar macetes pras elas, passam-se mais alguns minutos e ele massageando e dando palmadinhas no meu braço, mesmo assim, nada de saltarem as veias.
Começo a ficar tensa, a dor iminente, não posso fazer nada.
A primeira tentativa fracassada faz com que eu sinta dor quando a veia estoura. Fecho os olhos, o anestesista diz que irá pegar em outro local que infelizmente doerá, mas quando o cirurgião plástico entra e pergunta se estou dormindo, abro os olhos.
Em segundos sinto a agulha rasgando minha veia e a dor é profunda... "ai, ai, ai, ai, ai, ai" e seguem-se lágrimas.
Aí começa o absurdo, o cirurgião fala pra médica residente que se não resisto a uma "picadinha" destas deveria reavaliar se devo mesmo passar pela cirurgia. Solta esta e sai da sala, grosseiramente.
Sua aprendiz começa a me falar asneiras do tipo "veja bem se é isso que você quer, a dor será muito maior, pegamos veias de crianças que resistem sem reclamar"... incrível, mas naquele momento esperava ser acalmada e não insultada, humilhada.
Respondi à ela que não me conhecia e nem sabia as dores pelas quais havia passado em todos estes anos, pedi que se calasse e respeitasse meus sentimentos, minhas emoções.
Queria pedir que o anestesista provocasse a mesma dor na sua mão para ver se ficaria impassível.
Não deixei que me pisassem por serem profissionais não-humanos e antiéticos.
Ninguém tem o direito de tripudiar alguém que está prestes a passar por cerca de 7 horas de cirurgia.
Foi então que desabei em choro, enquanto o anestesista procurava me distrair perguntando sobre quem eu era, o que eu fazia, quantos anos tinha minha filha até que tudo começou a rodar.
Dormi.
Acordei com um pano na minha frente, não, não tinha morrido, apenas a cirurgia ainda não havia terminado e pude sentir e ouvir os profissionais mexendo na minha barriga.
A única coisa que eu disse foi "eu quero voltar a dormir"... e veio uma enfermeira carinhosa me consolar. Não lembro se dormi de novo.
Quando saí da sala carregada na maca já vi minha irmã, a Lile, ansiosa e solidária me esperando.

Não senti dor nesta noite, apenas desconforto, a anestesia causa vômito, mas nada de tão ruim. Consegui até assistir a um programa de humor que adoro com o Fernando Caruso, sim, no quarto tinha tv a cabo, veja que sorte, mas rir foi torturante!
Na manhã do dia seguinte, além das injeções intramusculares, da medicação intravenosa, precisaram colher meu sangue. Não podendo tirar dos braços, sobra o pé. Que pavor para quem sempre teve medo mortal de agulha.
Na primeira tentativa a veia fina estoura, de novo precisei passar por dor enorme pra tirar de outro local bem dolorido, mas foi. Segundos de tensão, talvez 1 minuto.

Senti dor na coluna por não poder mudar de posição. Não dormi na segunda noite. Os choros dos bebês queimados ecoavam pelos corredores, pedia que Deus e meu anjo da guarda me deixassem e fossem pro lado deles, pequeninos.

Mais de 48 horas depois foi necessário levantar-se. Primeiro tirar a sonda, já esperava dor intensa, mas nem senti, por sorte foi um enfermeiro carinhoso que fez isso.
Aí tive que levantar com a ajuda dele e da minha filha, aí sim, foi horrível.
Uma sensação de dor, como se os pontos da barriga fossem se romper e eu fosse terminar esparramada no chão.
Fiquei segundos em pé e a pressão baixou.
Sentei, suei frio, fiquei branca como um papel, parecia que estava morrendo, não via nada na minha frente.
Mais uma etapa superada, logo estava me sentindo bem.

A dificuldade continua, mas quase 1 semana depois não preciso de ajuda pra levantar da cama, apenas pra tomar banho.
Sinto dor, tenho 4 buracos com drenos, um está incomodando, mas creio que amanhã me livro deles, "meus cachorrinhos".
Meu braço está cheio de hematomas, estou tomando injeção anticoagulante, não doía nas primeiras vezes, mas agora está tão machucado que tem se tornado bem dolorido. Amanhã é o último dia.

A dor faz parte da minha vida, de uma maneira inexplicável.
Muitas vezes eu a procuro, inconscientemente ou conscientemente.
Outras, simplesmente, ela vem, se instala.

Meu parto foi super dolorido, com quase 5 quilos a Jéssica "entalou" e veio ao mundo puxada à fórceps.
Meu tratamento contra o câncer também teve momentos de dor.
Agora, a dor de perder a mãe e depois meu pai foi a mais devastadora.
É o tipo de dor que todos sabemos que um dia virá, mas que sempre queremos evitar.
É a dor que mais nos marca na vida, nada se iguala, pois nossos pais não podem ser substituídos.

Vejo muita gente que tem intolerância à dor.
Prefere fugir dela tomando atalhos, usando muletas, camuflando a sua realidade, enterrando seus sentimentos, suas emoções.
Há pessoas que se preocupam mais com que as outras pessoas pensam da sua dor do que encará-las.
Aí cometem as atitudes mais absurdas para fingirem que são fortes.

Sim, a fraqueza perante a dor não é tolerada em nossa sociedade hipócrita.
Fraco pra mim é quem tem medo da sua realidade, dos seus sentimentos.
Há palavras que usamos, atitudes que tomamos, mas nossos olhos são as janelas da nossa alma e transparecem nossos sentimentos.
Sentimentos verdadeiros podem ser escondidos dentro do nosso coração, palavras podem sair da nossa boca e com ela podemos agir como se a vida fosse um grande teatro, seguimos enganando e fazendo de conta que não dói, que já passamos por isso, que superamos.

A tristeza é que podemos enganar o mundo, mas não a nós mesmos.
Muito menos enganamos aqueles que nos amam verdadeiramente, pois a verdade pode ser mascarada, mas é uma só.

Por isso, não faço nada pensando que fugir da dor resolverá algo, pelo contrário, sou verdadeira, humana, cometo erros, mas aceito as penas e consequências das minhas escolhas com dignidade, coragem e fé em Deus que nunca me desampara.
Dor foi feita pra ser combatida, pois quando a vencemos podemos valorizar ainda mais a vida plena em toda sua grandiosidade.
Dor não mata ninguém.
Mentira sim.

Tudo isso que eu sinto hoje, as dores físicas pelas quais estou passando, irão me moldar como um ser humano mais forte, mais humilde, mais realista.
Porque não há mal que sempre dure.
Passei por tanta coisa nos últimos anos, foi difícil lidar com perdas e decepções, como foi difícil chegar ao auge da felicidade, das realizações.
Sou muito intensa, muito difícil passar pela vida assim, cheia de peculiaridades.
Seria simples se eu fosse comum, mas minha natureza é complexa.
Ser digna, prezar pela verdade sempre, pela honestidade não me blinda das escolhas erradas, mas procuro tirar lições dos meus erros, pois ali na frente sei que o pote de ouro me aguarda.

Posso não ser a amiga mais presente do mundo, mas sou a mais fiel, aquela que todos podem contar.
Posso não ter sido a melhor filha, mas sempre estive ao lado dos meus pais, nunca os abandonei.
Posso não ter sido uma mãe tão perfeita, mas jamais deixaria um filho meu abandonado, longe, preterido, como tantos que vejo criados por avós e que nem chamam suas mães de mãe.
Posso não ter o melhor emprego do mundo, trabalho feliz e agradecida porque pago minhas contas e não passo fome, não sou mochila nas costas de ninguém.
Posso não ser uma mulher perfeita, mas jamais aceitaria alguém ao meu lado fingindo que acredito no seu "amor" porque me traz benefícios.

Enfrento as dores todos os dias pois é na alegria de estar viva, com saúde e com fé em Deus que aguardo dias melhores pra sempre.
Minha vida não são apenas fotos bonitas no mundo virtual.
Minha vida tem todos os sentimentos, muito amor, muita esperança e muita coragem.
Muitas vezes me enxergarem como forte me incomoda, tudo bem, fraca não sou, mas há momentos que eu envergo, não quebro...
Quando preciso chorar, choro, não finjo.
Ainda bem que contabilizo mais momentos alegres.

Porque tenho certeza que de quem eu sou e agradeço à Deus por estar neste caminho, procurando a serenidade, a coragem e praticando a sabedoria.
A maldade, a inveja e o rancor alheio não me impedem de lutar.

Porque Deus fará o que for melhor pra mim, tudo o que eu quero virá no momento certo, pois a vida não é um grande espetáculo, há um dia em que precisamos tirar as máscaras e encarar de frente nosso rosto.

Obrigada dor, você me traz todo este amor que me cerca e me faz lembrar que a vida é muito mais profunda que isso.
O amanhã a Deus pertence.


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