"A gente somos" MÃE & FILHA
Eu tinha 17 anos, era uma adolescente super mimada e protegida pelos pais, estudava em colégios particulares, surtava quando me diziam não, era bem arrogante, cheia de complexos porque era magérrima e viviam me colocando apelidos pejorativos.
Não me aceitava quando olhava minha figura no espelho.
Achava-me feiosa, sem graça.
Odiava-me.
Tola, tinha bem mais do que muitos a minha volta, mas mesmo assim me sentia à margem da vida.
Olhava o que não tinha e nem percebia toda a riqueza familiar que desfrutava, não digo materialmente, mas afetivamente.
Tinha o desejo de morrer, nem sabia o que isso significava, mas queria... tudo seria melhor do que viver com aquele vazio.
Hoje sei, aquele apelidos imbecis que me colocavam juntamente com a ausência da separação do meu irmão gêmeo, contribuíram para minha personalidade rebelde e triste.
Justamente sendo adicta.
Nada estava bom, nunca.
Eu queria a vida de muita gente, menos a que eu tinha.
Depois de algum tempo namorando, depois de me separar, descobri que estava grávida.
Primeiro pensamento: ABORTO. Já conhecia algumas pessoas que tinham feito.
Na minha cabeça só pensava que meus pais sempre deixaram claro, que não aceitariam isso, era um medo...parece que pressentiam.
Um dia, quando apenas os que hoje são seus padrinhos, Maurício e Cristiana, e, poucas amigas sabiam, estávamos tomando café com minha mãe, eu e meu primo Mau, do nada ela me solta esta:
- Sonhei que você estava grávida! Seu pai morre se isso acontecer!
Nunca esqueço que meu primo praticamente cuspiu num riso nervoso a comida e eu o chutei por debaixo da mesa dizendo um "tá louca" ...
Imagina se esta mulher não era minha mãe de verdade?
Só uma mãe pode sentir com o coração o que se passa com um filho.
Passaram-se uns dias, ainda perdida e confusa, estou passeando pelo centro de Curitiba quando para em uma loja de artigos infantis. Entre mantas, sapatinhos, tip tops e outras coisinhas, coloco a mão na barriga e sinto... ela é minha, minha filha, já a amava. Não podia retirá-la dali.
A ideia idiota e absurda do aborto foi enterrada, puxa...não me julgo por pensar nisso porque era uma menina de 17 anos, não mulher, estava começando a descobrir o sexo, mas era inexperiente, imatura.
Minha mãe me pressionou numa noite de terça-feira, eu assistia TV Pirata e acabei confirmando.
Meu pai não levantou da cama quando soube, ficou meio chocado, assustado, penalizado,afinal eu estava na fase do cursinho, sonhando com o curso de Direito, estudando muito, esta mudança de planos pegou a todos de surpresa.
Após a notícia ter sido absorvida, começou a melhor fase das nossas vidas: viver a gestação.
Para um casal que vivia junto por amor, que adotou 3 crianças, sendo que a 1ª morreu por uma doença degenerativa grave, poder acompanhar o crescimento de uma nova vida da filha amada foi simplesmente sensacional.
Vi meus pais desabrocharem, pois vínhamos de um período de decepções, quando meu pai acreditou num sócio para criar seu maior sonho: ter uma rádio FM, mas em pouco tempo se viu enganado, trapaceado, usado e colocado pra escanteio, foi aí que precisou abandonar tudo para recomeçar.
Minha filha foi o presente que Deus nos concedeu por merecimento, creio nisso.
Sei que fui a melhor mãe que poderia ter sido, mas eu assumo meus erros, meus pecados, minha omissão, a negligência, pois tinha e acho que tenho ainda, inabilidade em viver, apenas um dia de cada vez.
Há dias que está tudo bem, mas há outros em que me vejo lá no passado ou estou sofrendo pelo futuro.
Esta sou eu, ainda...
Sorte que tive meus pais, então, se ela é o que é, agradeço a eles, pois sempre estiveram presentes.
Sei que errei, muito... por culpa.
Então, a palavra não é algo que minha filha também tem dificuldade em ouvir... lembro de fatos, percebo o quanto somos parecidas, aí penso por um lado "que pena"... rsrs...
Percebo que até hoje é difícil pra mim ser mãe, ter pulso firme, não ser uma amiga, mas quem sabe, um dia eu consiga melhorar.
Estou me esforçando para melhorar em todas as áreas da minha vida e a mais importante é esta, SER MÃE.
Errei por querer acertar, porque sempre a quis ver feliz, porque nunca suportei vê-la sofrer, mas eu a fiz sofrer muito, mas foi conseqüência do sofrimento que imputava a mim.
Lembrei ontem de um acontecimento: quando ela tinha uns 5 anos, dei um perfume pra ela, que afoita, abriu do lado contrário e o vidro caiu no chão, espatifando-se em mil pedaços. Imediatamente ela começou a chorar e eu...
A MÃE TE DÁ OUTRO, NÃOOOOOOOO CHOOOOOOORAAAAAAAA!
Era assim, eu fazia de tudo para vê-la feliz, sentia orgulho da sua inteligência acima da média - ouvi da coordenadora que enquanto as crianças da sua turma estavam indo, ela já estava voltando e querendo bater papo - da forma como ela era líder da sua turminha, da sua personalidade, muitas vezes difícil de lidar, mas sempre a admirei.
Carinhosa, escrevia textos de amor pros avós, pra mim, pros vizinhos, pras amigas, chegando a tirar lágrimas das pessoas.
Briguenta, falante, às vezes eu evitava ir às reuniões da escola pra não ouvir as professoras reclamarem.
Porque tenho dificuldades em aceitar que falem mal dela.
Também sou "Rei Bebê"...
Este sentimento de querer quebrar a cara de quem se atravessa no caminho da minha filha ainda me acompanha mas procuro me controlar, até porque ela mesma diz "não se mete mãe"... hahahaha...mais sensata que eu.
Sempre botei fé nela, tanto que nem me importava em ver se ela tinha feito a lição, ela era responsável, mas recentemente me jogou na cara isso por entender que eu era omissa... tomara que após nossa conversa ela tenha me entendido.
Eu a criei pra ser livre, não dependente... hoje queria que ela fosse mais dependente de mim...
Digo, que quando eu crescer quero ser minha filha.
Sou sua fã.
Ainda me açoito por ter feito tantas besteiras, por não ter estado mais presente, por ter lhe causado tantas mágoas... mas nada anima mais minha vida quando recebo um "eu te amo" dela.
Nossa relação ainda está sendo construída, assim como foi com minha mãe, apenas com o tempo tudo ficará muito melhor, pois os laços que nos unem são bem mais fortes do que os que nos separariam...
Obrigada por ser minha filha, minha fi... como te chamo, meu grande amor... desculpa porque sei que não dei o melhor de mim, mas ainda há tempo e sempre podemos recomeçar e fazer um novo final.
Seremos para sempre mãe e filha, mas sinto saudades de te levar no colo enquanto me admirava, beijava e dizia que "a gente somos namoradas"...
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